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Sérgio Fadul / Cruz Terra Santa

Santa Doroteia da Capadócia


NOTA

No Martirológio, Santa Dorotéia tem sua comemoração na data de 06 de Fevereiro, onde se lê: "Em Cesareia da Capadócia, hoje Kayseri, na Turquia, Santa Doroteia, virgem, e São Teófilo, estudante, mártires." Porém, em outros livros, aparece na data de 02 de setembro.


Origens


Santa Dorotéia nasceu na Capadócia no final do Século III. Filha de família cristã, ela herdou a fé de seus pais. Estes, foram martirizados pelo império romano por não renegarem Jesus Cristo. Por causa de seu conhecimento de Cristo e de toda a experiência do martírio de seus pais, a jovem Dorotéia optou pela virgindade, a fim de se consagrar ao Senhor e poder se dedicar totalmente a Ele, na prática da caridade, da oração e do jejum. Por isso, ela se tornou um sinal de santidade, humildade, fé, bondade e prudência.


Perseguição


Pelo fato de se destacar pelo exemplo de fé e amor cristão, Santa Dorotéia foi uma das primeiras cristãs a serem perseguidas por um governador chamado Fabrício. Este, recebera ordens diretas do imperador para eliminar o cristianismo na região da Capadócia. Dorotéia foi presa e levada a um terrível interrogatório. Diante dos magistrados, ela continuou firme na fé e não renunciou a Jesus, como eles exigiam. Ao contrário, cheia de fé e de alegria ela dizia: “Tenho pressa de chegar junto de Jesus, meu Senhor, que chamou para si os meus pais”.


A promessa de um milagre


Por não renunciar sua fé em Jesus cristo, Santa Dorotéia foi condenada à morte. Quando saiu sua sentença de condenação, um advogado chamado Teófilo, que estava presente, disse à santa em tom de gozação, que ela enviasse rosas e frutos do jardim de seu Senhor. Santa Dorotéia, porém, levou a brincadeira a sério e disse a ele: “Se acreditares em Deus, farei o que me pedes.” O Advogado sentiu a força surpreendente das palavras da fé de Santa Dorotéia, e esperou tentando agarrar-se em alguma esperança de fé.


O milagre das flores e frutos


Chegando ao local onde ela seria decapitada, ela pediu aos carrascos alguns instantes para rezar. Eles concederam. Ela se ajoelhou, rezou e, em seguida, chamou um garoto de apenas seis anos que estava ali perto. O garoto foi até ela. Então, Santa Dorotéia enxugou seu rosto suado com um lenço e entregou o lenço ao menino, pedindo que o tal lenço fosse entregue ao advogado Teófilo. No exato momento em que Santa Dorotéia foi decapitada, o garoto entregou o lenço a Teófilo. Vendo o corpo sem vida de Santa Dorotéia, o advogado levou o lenço ao rosto e sentiu um forte e inesquecível perfume de flores e frutas. Teófilo se ajoelhou ali mesmo, pediu perdão a Deus por ter perseguido os cristãos e se converteu. Por causa de seu testemunho de fé, ele também foi preso e forçado a renunciar à fé em Cristo. Como ele não renunciou, foi igualmente decapitado dando grande testemunho de fé em Nosso Senhor. Muitos se converteram por causa de seu testemunho.


Oração a Santa Dorotéia


“Santa Dorotéia, que conservastes com cuidado o lírio da pureza, obtende a bondade do Senhor, de conservar íntegra em nosso coração a virtude da castidade, para possuir contigo a alegria do Paraíso (Glória ao Pai). Santa Dorotéia, que com o exemplo e a palavra conservastes o Evangelho as tuas irmãs, conceda-nos a graça de sermos mensageiras de Deus, capazes de anunciar Sua Palavra com amor aos irmãos, para conduzi-los à estrada da justiça e da santidade. Gloriosa Mártir Santa Dorotéia, que do céu mandaste um cesto de frutos e flores ao seu perseguidor Teófilo, e ele, experimentando no íntimo da alma a tua bondade e a tua glória, se converteu ao cristianismo, obtende-nos a graça de vivermos fielmente o nosso batismo, anunciando à todos a fé e, levar assim, o nosso atributo para realizar na terra a paz e o amor. Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Amém.”


Santa Doroteia da Capadócia, rogai por nós!



MARTIROLÓGIO ROMANO


1.   Em Nicomédia, na Bitínia, hoje Izmit, na Turquia, São Zenão, mártir.

(† s. III)


2.   Em Niceia, também na Bitínia, hoje Izmit, na Turquia, Santa Teódota, com seus filhos Evódio, Hermógenes e Calisto, mártires.

(† s. IV)


3.   Em Edessa, no Osroene, hoje Sanliurfa, na Turquia, Santo Habib, diácono e mártir, que, no tempo do imperador Licínio, concluiu o seu glorioso combate ao ser lançado ao fogo por ordem do governador Lisânias.

(†322)


4.   Em Apameia, na Síria, Santo Antonino, mártir, que era canteiro, segundo a tradição e foi morto pelos pagãos aos vinte anos de idade por ter destruído os seus ídolos, movido pelo ardor da fé.

(† s. IV)


5*.   Em Tarragona, na Hispânia, São Próspero, bispo.

(† s. IV/V)


6.   Em Lião, na Gália, actualmente na França, o sepultamento de São Justo, bispo, que, depois do Concílio de Aquileia, renunciou ao episcopado e se refugiou com o leitor São Viador num ermo do Egipto, onde viveu alguns anos humildemente com os monges; o seu santo corpo foi trasladado por São Viador para Lião.

(† d. 381)


7.   No monte Soratte, junto à Via Flamínia, no Lácio, região da Itália, São Nonoso, abade.

(† c. 570)


8.   Em Autun, na Borgonha, na hodierna França, São Siágrio, bispo, que nos concílios em que tomou parte foi muito notável pela sua sabedoria e zelo.

(† 599/600)


9*.   Em Avinhão, na Provença, também na actual França, Santo Agrícola, bispo, que, depois da sua vida monástica na ilha de Lérins, auxiliou seu pai, São Magno, e lhe sucedeu no episcopado.

(† c. 700)


10.   No Piceno, hoje nas Marcas, região da Itália, Santo Elpídio, cujo nome foi adoptado pela cidade onde o seu corpo foi sepultado.

(† a. s. XI)


11*.   Em Pôntida, no território de Bérgamo, na Lombardia, região da Itália, os santos Alberto e Vito, monges: o primeiro, preferindo a milícia de Cristo às armas e honras do mundo, construiu na sua cidade um mosteiro com a observância cluniacense; o segundo foi o superior do mosteiro.

(† c. 1096)


13*.   Em Skänninge, na Suécia, a Beata Ingrid Elofsdotter, que, ficando viúva, ofereceu todos os seus bens para o serviço de Deus e, depois de uma peregrinação à Terra Santa, tomou o hábito monástico da Ordem dos Pregadores.

(† 1282)



14*.   Em Paris, na França, a paixão dos beatos mártires João Maria du Lau d’Allemans, Francisco José e Pedro Luís de la Rochefoucauld, bispos, e noventa e três companheiros[1], clérigos e religiosos, que, por se terem recusado a prestar o juramento iniquamente imposto ao clero no tempo da Revolução Francesa, foram recluídos no convento dos Carmelitas e assassinados em ódio à religião de Cristo.

São estes os seus nomes: Vicente Abraham, André Angar, João Baptista Cláudio Aubert, Francisco Balmain, João Pedro Bangue, Luís Francisco André Barret, José Bécavin, Tiago Júlio Bonnaud, João António Jacinto Boucharene de Chaumeils, João Francisco Bosquet, Cláudio Cays ou Dumas, João Charton de Millon, Cláudio Chaudet, Nicolau Clairet, Cláudio Colin, Francisco Dardan, Guilherme António Delfaut, Maturino Vítor Deruelle, Gabriel Desprez de Roche, Tomás Nicolau Dubray, Tomás Renato Dubuisson, Francisco Dumasrambaud de Calandelle, Henrique Hipólito Ermès, Armando de Foucauld de Pontbriand, Tiago Friteyre-Durvé, Cláudio Francisco Gagnières des Granges, Luís Lourenço Gaultier, João Goizet, André Grasset de Saint-Sauveur, João António de Guilleminet, João Baptista Janin, João Lacan, Pedro Landry, Cláudio António Rodolfo de Laporte, Roberto le Bis, Maturino Nicolau Le Bous de Villeneuve de la Villecrohain, Olivério Lefèvre, Carlos Francisco Legué, Tiago José Lejardinier Deslandes, Tiago João Lemeunier, Vicente José le Rousseau de Rosencoat, Francisco César Londiveau, Luís Longuet, Tiago Francisco de Lubersac, Gaspar Cláudio Maignien, João Filipe Marchand, Luís Mauduit, Francisco Luís Méallet de Fargues, Tiago Alexandre Menuret, João Baptista Nativelle, Renato Nativelle, Matias Agostinho Nogier, José Tomás Pazery de Thorame, Júlio Honorato Cipriano Pazery de Thorame, Pedro Francisco Pazery de Thorame, Pedro Ploquin, Renato Nicolau Poret, Julião Poulain-Delaunay, João Roberto Quéneau, Francisco Urbano Salins de Niart, João Henrique Luís Samson, João António de Savine, João António Barnabé Séguin, João Baptista Maria Tessier, Lopo Tomás ou Bonnotte, Francisco Vareilhe-Duteil, Pedro Luís José Verrier; e Luís Barreau de la Touche, da Congregação de Santo Amaro da Ordem de São Bento; João Francisco Burté, da Ordem dos Frades Menores; Apolinário (João Tiago) Morel, da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos; Ambrósio Agostinho Chevreux e Renato Julião Massey, da Ordem de São Bento; Bernardo Francisco de Cucsac, Tiago Gabriel Galais, Pedro Gauguin, Pedro Miguel Guérin, Tiago Estêvão Filipe Hourrier, Henrique Augusto Luzeau de la Mulonnière, João Baptista Miguel Pontus, Pedro Nicolau Psalmon e Cláudio Rousseau, da Sociedade de São Sulpício; Carlos Jeremias Bérald du Pérou, Francisco Luís Hébert e Francisco Lefranc, da Sociedade de Jesus e Maria; Urbano Lefévre, da Sociedade das Missões Estrangeiras de Paris; Severino (Jorge) Girauld, da Ordem Terceira Regular de São Francisco; todos presbíteros; Luís Aleixo Matias Bouver, Estêvão Francisco Deusdédit de Ravinel e Tiago Agostinho Robert de Lézardières, diáconos; São Salomão (Guilherme Nicolau Luís) Leclercq, religioso da Congregação dos Irmãos das Escolas Cristãs; Augusto Nézel, clérigo, e Carlos Regis Mateus de la Calmette.

(† 1792)


15*.   Também em Paris, no mesmo dia e ano, o Beato Pedro Tiago Maria Vitális, presbítero, e vinte companheiros[2], mártires, que, na mesma revolução, foram mortos em ódio à Igreja na abadia de Saint-Germain-des-Prés.

São estes os seus nomes: Daniel Luís André des Pommerayes, Luís Remígio Benoist, Luís Renato Nicolau Benoist, António Carlos Octaviano de Bouzet, João André Capeau, Armando Chapt de Rastignac, Cláudio Fontaine, Pedro Luís Gervais, Santo Huré, João Luís Guyard de Saint-Claire, Alexandre Carlos Lenfant, Lourenço, Luís le Danois, Tomás João Monsaint, Francisco José Pey, João José Rateau, Marcos Luís Royer, João Pedro Simon, Carlos Luís Hurtrel, este último da Ordem dos Mínimos, todos presbíteros, e Luís Benjamim Hurtrel, diácono. 

16♦.   Em Orriols, na Catalunha, região da Espanha, o Beato Esíquio José (Baldomero Margenat Puigmitjá), religioso da Congregação dos Irmãos das Escolas Cristãs e mártir, que, na violenta perseguição contra a Igreja, foi assassinado em ódio à vida religiosa.

(† 1936)


17♦.   Em Oviedo, nas Astúrias, também da Espanha, o Beato José Maria Laguia Puerto, religioso da Ordem dos Pregadores e mártir.

(† 1936)



Beata Ingrid Elofsdotter

Celebramos hoje a memória litúrgica da Beata INGRID de SKÄNNINGE, que no século XIII abriu mão das riquezas de sua nobre família e que, depois de ficar viúva, se tornou religiosa da Ordem Dominicana...


Já fizemos uma analogia parecida como esta antes: o enorme rol de nossos Santos e Santas assemelha-se a uma grande constelação, onde cada astro brilha conforme seu tamanho, sua composição e a distância “anos-luz” – anos, décadas, séculos e milênios – que nos separam deles... Da baixeza de nossa pequenez, quando olhamos para o alto, nos pegamos cheios de admiração por sua variedade, beleza e luzes multicoloridas, cada qual lançando sobre nós uma parcela de seu brilho, iluminando as “noites escuras” de nossas almas... Alguns brilham como jovens estrelas, outros como supernovas, na “explosão” de suas virtudes, sendo depois apequenados por nossa ignorância; uns brilham como quasares, atravessando os séculos com o mesmo fulgor de sempre, enquanto outros “brilham” como planetas, que não têm qualquer luz própria, mas irradiam um pouco da luz que recebem de seu sol. Por fim, mas não menos importantes, há também os cometas, que, quando passam muito próximos de nós, provocam inquietação e admiração, um verdadeiro frenesi e, de repente, vão embora... Alguns Santos são justamente assim, porque, tal como os cometas, vêm, nos surpreendem e depois continuam seu curso rumo ao infinito do espaço, até quase se perderam de nossa memória e caírem no nosso total esquecimento. Como os cometas, no entanto, eles desaparecem de repente, para, um dia, reaparecerem de novo, se não amanhã, depois de amanhã, se não neste século, no outro, ou no outro, ou no outro, num ciclo que jamais termina... A analogia é perfeita para a Beata que hoje veneramos, praticamente desconhecida pela grande maioria dos cristãos, ignorada muitas vezes pela própria Ordem Dominicana, família religiosa da qual fez parte, deslembrada por muitos hagiógrafos e mesmo pela nação que um dia fez dela uma de suas principais padroeiras... Como um cometa, porém, que de tempos em tempos reaparece no céu e que não pode deixar de ser notado, hoje é o dia da “passagem” da Beata Ingrid; Deus queira que estejamos em estado de graça, para que possamos contemplá-la em todo seu resplendor...


Nossa Beata nasceu no seio de uma família muito rica e de origem nobre, que viria a ser conhecida também pela santidade de alguns de seus entes. De sua genealogia nasceria, por exemplo, aquela que se converteria na santa mais venerada de toda a Suécia, que foi inclusive declarada patrona da Europa em 1999: Santa Brígida (+1373), à qual tivemos a graça de conhecer e honrar no dia 23 de julho, quando celebramos sua festa litúrgica. Por parte de mãe, Ingrid era neta do rei Canuto da Suécia (+1196), país em que ela veio ao mundo em torno do ano de 1220. Seu pai, também ele nobre, descendia da família dos “Elofssönernas ätt”, da cidade de Östergötland e, por isto, ao nascer, em Skänninge, na Gotlândia Oriental, foi chamada INGRID ELOFSDOTTER (em algumas traduções “Olovsdotter”).


Dos anos de infância de nossa Beata, sabemos que ela recebeu formação intelectual e espiritual à altura da riqueza e da nobreza de sua estirpe, fervorosamente católica. Desde criança, ela já dava sinais da santidade que um dia o povo atribuiria a ela: era recatada e comedida, mesmo em suas diversões, modesta e reservada, devota e compenetrada. Sendo ainda bastante pequena, inspirada por sua profunda devoção à Santíssima Virgem Maria, a menina decidiu viver apenas para Deus, tornando-se, quiçá, religiosa consagrada da Ordem Dominicana, recém estabelecida em Skänninge. No entanto, sem levar em conta as aspirações interiores dela, seus pais, conforme os costumes da época, já lhe haviam arranjado um vantajoso casamento, com “Sir Sigge”, também ele de linhagem real e virtuoso. Adolescente, mesmo contra sua vontade e depois de ter protestado contra a disposição deles, Ingrid tomou a resolução de obedecer os pais sem reclamar, mesmo porque o futuro esposo partilhava de sua mesma fé e de sua mesma disposição em ajudar os mais necessitados. Assim, pois, seu matrimônio não apenas não seria empecilho para que continuasse a cumprir suas práticas de piedade e suas penitências, como também lhe proporcionaria ainda melhores condições financeiras para ajudar os pobres. Ademais, os filhos que a bondade de Deus porventura lhe concedesse, a santa menina se dispôs diante do altar a educar e a instruir na fé cristã. Assim sendo, no tempo oportuno, celebraram-se as núpcias entre Ingrid e “Sir Sigge”, o qual ela aprendeu a amar com a afeição das melhores esposas, sendo muito feliz com ele por bastante tempo. Quanto aos muitos filhos que o casal pretendia conceber, eles infelizmente não vieram...


Naquela época – e até bastante recentemente –, quando um casal não gerava prole, a mulher era sempre considerada a culpada, não por um preconceito machista, mas tendo por base uma observação lógica equivocada: como se observava que o homem tinha ereções e expelia seu sêmem normalmente no ato da relação sexual, e tendo em vista que até o ano de 1928 se desconhecia o óvulo humano – o gameta feminino da fecundação da vida –, e também porque a infertilidade do gameta masculino era algo absolutamente impensável, concluía-se que se um casal não tinha filhos era porque o útero da mulher era infértil, o que em muitos lugares era considerado uma “maldição”. Já falamos sobre isto quando celebramos Santa Ana e São Joaquim (26 de julho), e voltaremos a falar no dia da festa de São Zacarias e de Santa Isabel (05 de novembro), casais que foram estigmatizados em virtude da infertilidade atribuída à mulher...


De sua parte, ao invés de choramingar a esterilidade que lhe era imputada, Íngrid viveu intenso apostolado de caridade, socorrendo com bens e favores os pobres e os doentes que Deus enviava aos seus cuidados. Por conseguinte, muitos a consideraram uma “santa”, pois como ensina o “Catecismo da Igreja Católica” (cf. nn.388, 1822-1832), “a caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas por Ele mesmo, e ao próximo como a nós mesmos, por amor de Deus (...); superior a todas as virtudes (...), é o vínculo da perfeição’ (cf. Cl 3,14), o fundamento das outras virtudes, que ela anima, inspira e ordena”... Mas como se não bastasse, Deus havia ornado a alma de Íngrid com outros dons extraordinários, como o da cura e o das conversações místicas. Apesar da veneração que lhe tributavam seus conterrâneos, a Beata não se deixou seduzir pelo orgulho ou pela prepotência, assim como não se permitiu seduzir pelas riquezas e pelo luxo que sua origem nobre lhe obrigava. Vivia no mundo, mas não era aliciada por ele...


Em 1271 “Sir Sigge” faleceu prematuramente. Embora não fosse mais uma menina, Íngrid havia conservado a beleza física de sua juventude, o que para ela não era nenhuma vantagem. Logo, pois, encantados mais por seus dotes exteriores que por suas virtudes internas, muitos pretendentes à sua mão se apresentaram, e ela inclusive foi aconselhada pelos pais – que ainda viviam – a contrair novas núpcias. Dona de si, emancipada financeiramente, desta vez ela foi inflexível à insistência dos pais, e dispensou cada um de seus aspirantes, passando seus dias em sua casa, dedicada às orações, aos jejuns e às penitências, bem como às suas obras de caridade. Tendo se colocado sob a orientação espiritual do dominicano Pedro de Dácia, para deixar clara sua resistência, Íngrid abandonou suas roupas seculares e vestiu o hábito preto e branco de São Domingos, sendo acompanhada em sua conduta por sua irmã Cristina. Ambas foram, de fato, as primeiras dominicanas da Suécia...


Pouco tempo depois, desejosa de conhecer a terra santa em que Nosso Senhor havia pisado, instigada pelo exemplo de São Luís de França (+1270), que havia tentado libertar aquele solo sagrado das profanações islâmicas, Íngrid decidiu peregrinar a Jerusalém – uma viagem extremamente demorada e perigosa naquela época –, onde esperava que Deus lhe dissesse por meio de algum sinal o que devia fazer de sua vida agora que estava absolutamente livre para segui-Lo onde quer que fosse. Assim motivada, ela viajou, portanto, à Palestina, acompanhada de um pequeno grupo de amigos, e visitou diversos lugares sagrados de nossa fé. No caminho de volta, ela decidiu passar pela Itália e alcançou Roma, onde venerou os túmulos de São Pedro e de São Paulo; depois peregrinou em direção a Santiago de Compostela, na Espanha, onde também prestou sua reverência aos ossos do apóstolo São Tiago Maior. Quando, por fim, voltou a Skänninge, Íngrid e Cristina, formaram um círculo de mulheres ricas, piedosas e caridosas, as quais foram colocadas sob a orientação espiritual do mesmo frei Pedro, acima mencionado.


É de Pedro de Dácia, ademais, que temos um dos testemunhos mais seguros sobre a índole e sobre os dons espirituais de nossa Beata, uma carta datada de 1278, por meio da qual elogiou o ascetismo da religiosa e enalteceu as revelações místicas que Deus lhe havia concedido: “(...) Eu tenho outra filha espiritual, que recebeu graças notáveis e muitas revelações de Deus; que se abstém continuamente de carne... que todas as sextas-feiras permanece em êxtase da meia-noite até as vésperas; que às vezes exibe em seu corpo os sagrados estigmas da Paixão de Cristo; que usa continuamente o véu dominicano sobre seus cabelos... que se dedica com frequência à oração e à contemplação, e é zelosa em dar esmolas e no serviço aos pobres”...


Com o passar do tempo, um número cada vez maior de jovens manifestou desejo de seguir os conselhos e a orientação da jovem viúva, que já era tida como uma autêntica superiora de convento. E justamente esta era a inspiração que ela trouxe da Terra Santa: fundar em sua cidade natal o primeiro mosteiro feminino dominicano, o primeiro de toda a Suécia, na verdade. Porém, ela nada fez de modo precipitado, mas deixou que Deus fosse trabalhando não apenas a sua, mas também as vocações de suas futuras filhas espirituais que, pouco a pouco, foram se multiplicando de tal forma, que ela teve que mandar edificar um grande mosteiro para abrigar a todas, no exato local que lhe havia sido indicado por Deus numa de suas visões místicas...


Mas foi apenas no ano de 1281 que Íngrid, depois de ter viajado diversas vezes a Roma neste intuito, conseguiu a aprovação oficial do papa Martinho IV para o seu convento que, coincidentemente, foi construído adjunto a uma igreja dedicada ao santo homônimo do pontífice, São Martinho de Tours (+397). Sob a regra da Ordem Dominicana, o novo mosteiro tocou seus sinos pela primeira vez na solenidade da “Assunção da Virgem Maria”, dia 15 de agosto, quando, na presença do rei Magnus Ladulas, de Henrique, bispo de Linköping, e de incontável multidão, Íngrid foi eleita a primeira superiora.


Digno de nota: o atraso para o reconhecimento oficial do convento de Skänninge se deveu a diversas razões, dentre elas o fato de que, em apenas cinco anos – de 1276 a 1281 – o trono de São Pedro foi ocupado por não menos que seis papas: Beato Inocêncio V (falecido em junho de 1276), Adriano V (falecido em agosto do mesmo ano), Gregório XI (falecido já em setembro, depois de apenas um dia de pontificado), João XXI (morto em maio de 1277), Nicolau III (falecido em agosto de 1280) e Martinho IV (que iniciou seu pontificado em fevereiro de 1281). Por causa disto, desta transição contínua de pontífices, antes que as solicitações encaminhadas por Skänninge fossem avaliadas e resolvidas por um papa, um outro acabava sendo eleito, retardando sempre mais o processo de seu reconhecimento canônico...


Como Moisés, que apenas de longe pôde vislumbrar a “terra prometida” depois de caminhar por quarenta anos à sua procura, uma vez que obteve de Roma a bênção para o seu convento, ou seja, depois de reger sua comunidade religiosa por apenas um ano, Íngrid foi chamada por Deus para a eternidade no dia 02 de setembro de 1282, quando o odor de sua santidade se fez sentir por todos os cantos da Suécia. Venerada ainda em vida como dissemos, Íngrid foi imediatamente considerada “santa” por seus concidadãos, resultando no culto local à sua memória. Mas apesar da aclamação popular, dos inúmeros relatos de milagres alcançados junto ao seu túmulo e da simpatia de todo o clero sueco e da família dominicana, sua canonização nunca ocorreu oficialmente. Foi apenas no ano de 1414 que o bispo de Linköping, diocese que abrange a cidade de Skänninge, enviou ao Santo Padre o papa Gregório XII uma solicitação para que o culto à “Beata Íngrid” fosse oficialmente reconhecido. Um inquérito foi então instaurado entre os anos 1416 e 1417, mas os resultados foram inconclusivos. As atas deste processo, infelizmente, se perderam com o tempo, mas o culto a ela parece ter sido aprovado, ou, pelo ao menos, incentivado. Além do mais, no ano de 1497 o papa Alexandre VI concordou com a trasladação das relíquias da Beata para a capela do convento de Skänninge, onde, com sua formal autorização, poderiam ver veneradas, equivalendo ao reconhecimento papal de sua santidade, o que revigou ainda mais o antigo culto a ela prestado...


Sepultada em seu convento de São Martinho de Skänninge, devido aos horrores sacrílegos promovidos pela “Reforma” Protestante, parte das relíquias de Íngrid tiveram que ser removidas para Vadstena, onde também foi sepultada sua parenta, Santa Brígida. Ali, em 1645, o crânio da Beata foi furtado e levado para a França, onde foi confundido com o crânio de Brígida. Já em tempos mais recentes, em 1959, esta relíquia foi parar na abadia de Uden, na Holanda, onde ainda hoje alguns a veneram pensando se tratar do crânio da santa patrona da Europa. Quanto ao convento de São Martinho de Skänninge, ele acabou sendo completamente destruído pelos protestantes em 1531, assim como as relíquias da Beata que ali foram deixadas...


Ingrid Elofsdotter foi para Santa Brígida um pouco do que João Batista foi para Jesus, pois serviu como uma “precursora” dela, inspirando sua vocação e servindo-lhe de exemplo tanto da santidade conjugal quanto da santidade monacal, ainda que as duas jamais tenham se conhecido pessoalmente, tendo em vista que a Beata faleceu pouco mais de vinte anos antes de sua parenta mais famosa nascer...


Especialmente hoje, dia em que veneramos sua memória como exemplo de virgem, esposa, mãe dos pobres e fundadora, rogamos à Beata Ingrid, para que interceda a Deus por nós, para que advogue nossas causas diante de Cristo, apesar de nutrirmos por ela tão pouca devoção e apesar de estarmos tão longe dela em santidade... Rogamos que seu exemplo de desprendimento dos bens materiais nos inspire na verdadeira caridade e que, tal como ela, e sob seu patrocínio, tenhamos a mesma disposição para silenciar nossos lábios e corações para que possamos ouvir e discernir o chamado de Deus... Não permitamos que se apague em nós a claridade que, por meio dela, irradia o próprio Cristo, a LUZ por antonomásia, o “sol da justiça” (cf. Ml 4,2)...


OREMOS (do Missal Dominicano): “Ó Deus, servindo-vos sem cessar, pelo jejum e pela oração, a Bem-aventurada Ingrid de Skänninge encontrou vosso Filho, caminho da verdadeira sabedoria. Concedei-nos, por sua intercessão, esta mesma fidelidade em nossa vocação, e ensinai-nos a amar-vos acima de todas as coisas. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém”.


In Corde Iesu et Mariae, semper!

Fernando Martins.


P.s.: No que se refere à historicidade da Beata Íngrid e à sua santidade, além da carta do dominicano Pedro de Dácia, temos também alguns escritos da religiosa e mística alemã Beata Cristina de Stommeln (+1312) que se referem a ela, além de alguns excertos registrados por João Elovsson, um de seus irmãos e mais influentes apoiadores, que mais tarde se tornou famoso como membro da “Ordem dos Cavaleiros Teutônicos de Santa Maria de Jerusalém”...

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