Santa Elisabete Ana Bayley Seton
Qual radiante flor, com o perfume de uma inocência batismal ilibada, Teresa entra para o Carmelo de Lisieux e aí, seguindo a “Pequena Via”, realiza sua vocação.
Com Agostinho sucedeu algo bem diferente. Quando já adentrava a plena idade madura, após uma juventude de pecado, é visitado pela graça, converte-se e caminha a passos largos na virtude e na sabedoria.
Um e outro caso ilustram as diferentes circunstâncias nas quais Deus vai buscar alguns eleitos, e os caminhos “personalizados” que lhes traça. “Há diversas operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito comum” (I Cor 12, 6-7).
Elizabeth Ann Seton foi colhida numa situação muito particular. De religião anglicana, casada com um rico comerciante e tendo cinco filhos, nada parecia indicar os elevados desígnios para os quais a Providência ia chamá-la. Mas de sua correspondência à graça dependeriam milhares de almas e, em certo sentido, um país inteiro.
E ela disse: “sim!”. Tomada de entusiasmo pela Presença Real de Nosso Senhor na Eucaristia, fez-se filha da Igreja Católica. Essa conversão transformaria não só sua vida, mas também a história do Catolicismo nos Estados Unidos. Dois séculos após seu nascimento, ela foi proclamada santa, sendo a primeira norte- americana elevada à honra dos altares.
Uma infância sofrida
Segunda filha do famoso médico Richard Bayley e de Catherine Charlton, Elizabeth Ann Bayley veio ao mundo em 18 de agosto de 1774, meses antes de eclodir a Guerra da Independência dos Estados Unidos. A família residia em Nova York, descendendo dos primeiros colonos da região. Como acontecia com a maioria dos membros da alta sociedade nova-iorquina, eram anglicanos praticantes.
Antes de completar três anos ficou órfã de mãe, e seu pai contraiu novo matrimônio, do qual nasceram mais sete filhos. A pequena enteada era desprezada pela madrasta, o que lhe fazia sentir sobremaneira a falta da mãe. Também o pai, absorvido por serviços e pesquisas médicas, não conseguia retribuir os carinhosos sentimentos de sua afetuosa filha.
Por tais circunstâncias, Elizabeth, aos oito anos de idade, foi enviada à fazenda de um tio paterno, para aí viver em companhia de seus primos. Esse período passado no ambiente tranquilo do campo determinou a formação de seu caráter contemplativo e decidido.
Matrimônio na alta sociedade
Aos dezesseis anos, Elizabeth voltou para Nova York. O viço e a graça de sua juventude, a distinção da fisionomia e a nobreza do porte fizeram com que, em pouco tempo, sua presença se tornasse muito requisitada nas reuniões da sociedade nova-iorquina.
Antes de completar vinte anos, ela casou-se com William Magee Seton, de uma conceituada família de comerciantes. Os primeiros oito anos do casal transcorreram prósperos e tranquilos. Agraciados com cinco filhos – Anna, Richard, William, Catherine e Rebecca -, os Seton residiam num dos melhores bairros de Nova York, levando uma vida regalada.
Muito religiosa e caridosa, Elizabeth participava das atividades promovidas pela Igreja Anglicana e se preocupava com os sofrimentos do próximo. Doía-lhe sobremaneira ver as agruras pelas quais passavam as viúvas pobres. Para lhes dar assistência, organizou, em união com outras damas ricas, uma associação caritativa. A jovem senhora Seton não podia imaginar que, dentro de poucos anos, estaria em situação análoga à daquelas mulheres…
Chegam as tribulações
Em 1803 os negócios da família Seton faliram. Ao mesmo tempo, William foi acometido pela tuberculose. A fim de mudar de clima, numa última tentativa para a recuperação da saúde do esposo, Elizabeth partiu para Livorno, Itália, com ele e a filha mais velha, então com oito anos de idade, apelidada Annina. Aos olhos dos familiares e amigos, essa viagem parecia uma loucura. Entretanto, cada um daqueles dias constituía um trecho do longo caminho traçado pela Providência para conduzir Elizabeth à Igreja Católica.
Entre os muitos contatos comerciais que William Seton mantinha com a Europa, figuravam os irmãos Antonio e Filippo Filicchi, de Livorno, com quem tinha feito sólida amizade. Assim sendo, os Seton combinaram de hospedar-se em casa dos Filicchi durante o tempo que ali passassem.
Contudo, ao aportar em Livorno, as autoridades sanitárias decretaram quarentena aos tripulantes do navio recém- chegado, devido à notícia de que a febre amarela grassava em terras americanas. Os Seton foram então encaminhados para o lazareto, um prédio de paredes frias e úmidas, onde a saúde de William piorara ainda mais.
As primeiras graças de conversão
Isolada de todos, vendo o marido definhar dia após dia e sofrendo privações, Elizabeth pôs-se a pensar mais em Deus e a considerar sua vida através de um prisma mais sobrenatural. O confinamento físico tornava sua alma mais aberta às inspirações da graça, e ela começou a ouvir com atenção as explicações a respeito da Doutrina Católica que lhe davam as poucas pessoas com quem tinha contato durante esse período.
Terminada a quarentena, os Seton se dirigiram a Pisa. Enfraquecido pelos dias passados no lazareto, William faleceu em menos de duas semanas. Elizabeth tinha então trinta anos de idade. A família Filicchi, imbuída da verdadeira caridade cristã, acolheu em seu lar a viúva e sua filhinha. Desejosos de distraí-las um pouco, propuseram- lhes visitar Florença enquanto aguardavam a partida do navio que as levaria de volta à América. Elizabeth aceitou o convite.
Num domingo, a esposa de Antonio Filicchi, Amabilia, convidou-as a assistir à Missa na Igreja da Annunziata. Ao entrar no templo sagrado, Elizabeth se sentiu tocada no mais fundo da alma. Reinava certa penumbra no recinto. Em torno do altar, muitas pessoas rezavam o Rosário, cheias de devoção. O olhar maravilhado de Elizabeth percorreu as obras de arte que embelezavam o ambiente: entalhes em madeira, bonitas pedras de diferentes cores, pinturas representando cenas da Escritura. Ao sair dali, ela escreveria em seu diário: “Não se consegue ter uma idéia de como é tudo isso por meio de uma simples descrição”. Depois desse dia, Elizabeth sentiu uma mudança em seu interior. O que havia nos templos católicos para atraí-la tanto?
A Providência Se faz sentir
Entre visitas a igrejas e outros monumentos, transcorreram os dias aprazados para a volta a Nova York.
No entanto, por motivos técnicos, a partida do navio foi adiada.
Os Filicchi aproveitaram esse tempo para instruí-la ainda mais na Fé, expondo-lhe a doutrina da Presença Real de Cristo na Eucaristia. Elizabeth ficou encantada com a ideia de poder encontrar-se com Nosso Senhor Jesus Cristo nas Sagradas Espécies.
Alguns dias mais tarde, Deus lhe enviaria uma graça sensível para fazê-la acreditar nessa sublime verdade da Fé. Em companhia da família Filicchi, ela assistia à Missa na Igreja da Madonna delle Grazie, em Livorno. Quando o celebrante estava elevando a Sagrada Hóstia, após a Consagração, alguém se ajoelhou ao lado de Elizabeth e lhe disse ao ouvido: “Aí está o que se chama ‘Presença Real'”. Arrebatada por tais palavras, ela inclinou-se cheia de veneração e, pela primeira vez, adorou a Jesus na Eucaristia, enquanto tentava conter as lágrimas.
Mais tarde ela escreveria à sua cunhada, Rebecca Seton, que ficara em Nova York: “Como seríamos felizes se crêssemos no que essas boas almas creem! Possuem Deus no Sacramento, Ele permanece em suas igrejas e é levado aos doentes! Oh, meu Deus! Quando eles passam com o Santíssimo Sacramento debaixo da minha janela, ainda que sentindo solidão e tristeza pela minha situação, não posso controlar minhas lágrimas, pensando: ‘Meu Deus, quão feliz eu seria, se, mesmo estando longe de tudo quanto me é querido, pudesse encontrar-Vos na igreja, como eles Vos encontram!'”.
O encontro com a verdadeira Mãe
Começava para Elizabeth uma de suas mais árduas lutas espirituais. Abandonar o anglicanismo significava renunciar à religião na qual nascera e vivera até então, mas Jesus Eucarístico a atraía à Igreja Católica.
Também a pequena Annina já estava maravilhada pelo catolicismo e não poucas vezes repetia: “Mamãe, não existem católicos na América? Quando voltarmos para casa, nós vamos ser da Igreja Católica?”.
Como boa mãe, ela sentia-se responsável, não só por sua própria salvação, mas também pela de seus filhos. Portanto, pôs-se a rezar, pedindo a Deus uma orientação.
Certo dia, Elizabeth deparou-se com um livrinho de orações pertencente à Sra. Filicchi, posto sobre a mesa. Abriu-o a esmo e começou a ler: “Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer…” Cada uma das palavras do Memorare soou em sua alma como uma consolação: ela, que na infância tanto sentira a falta do afeto materno, na realidade tinha uma Mãe que dela cuidava com inefável bondade! Passou então a invocar Nossa Senhora, pedindo que Ela lhe mostrasse o caminho que deveria seguir.
Novas adversidades
Em 8 de abril de 1804, mãe e filha embarcaram de volta aos Estados Unidos, em companhia de Antonio Filicchi. Uma nova série de adversidades e grandes transformações aguardava a jovem viúva em sua terra natal.
Apesar da felicidade de rever os outros quatro filhinhos, Elizabeth trazia na alma um profundo dilema: abraçar o catolicismo significava comprar o isolamento da parte de todos os familiares e amigos americanos.
Mas, de outro lado, ela já não conseguia viver sem pensar no Santíssimo Sacramento. Passava longas horas do dia fazendo comunhões espirituais e, estando na igreja anglicana de São Paulo, dali adorava Jesus presente no tabernáculo da Igreja Católica de São Pedro, que podia vislumbrar pelas janelas.
Em vão, várias de suas amigas aristocratas tentaram dissuadi-la da conversão. O próprio ministro anglicano que outrora lhe dera orientação espiritual via que seus argumentos eram também inúteis: ela ainda não pertencia formalmente à Igreja, mas seu coração já era católico.
A conversão
Na Quarta-Feira de Cinzas de 1805, diante do tabernáculo da Igreja de São Pedro, Elizabeth tomou a decisão irrevogável de fazer-se católica, com seus cinco filhos. Dez dias depois, em 14 de março, fez sua profissão de Fé, na mesma igreja.
Na festa da Anunciação, 25 de março, realizou-se o seu mais ardente desejo: recebeu a Primeira Comunhão.
Cheia de alegria, escreveu à amiga italiana: “Por fim, Amabilia – por fim! – Deus é meu e eu sou dEle! Agora, aconteça o que acontecer, eu O recebi!”.
Sobre esse dia, Elizabeth anotaria em seu diário: “Meu Deus, até o meu último suspiro me lembrarei daquela noite que passei à espera de que o sol nascesse! Meu pobre coração ansiava pela longa caminhada até a cidade, em que cada passo significava estar mais perto daquela rua, mais perto daquele tabernáculo, mais perto daquele momento em que Ele entraria em minha morada pobre e pequena, mas inteiramente dEle!”.
Funda uma nova Congregação religiosa
No ano seguinte, encontrando-se em Nova York Dom John Carroll – primeiro Bispo de Baltimore e dos Estados Unidos -, Elizabeth recebeu a Confirmação. Preocupada com a educação de seus filhos e a formação das crianças católicas, tentou abrir uma escola em sua cidade natal. No entanto, seus planos foram frustrados, devido ao desprezo e incompreensão por parte daqueles que não aprovavam sua conversão. Mais tarde, em 1808, sob o amparo de Dom Carroll, Elizabeth transladou-se para Baltimore, onde fundou um colégio destinado à educação de meninas. Não demoraram a aparecer jovens que se sentiam chamadas à vida religiosa e queriam seguir Elizabeth, em seu nobre ideal de caridade.
Com a ajuda de um generoso doador, a pequena comunidade se estabeleceu em Emmitsburg, Maryland, no ano de 1809. Nasceu assim a primeira congregação religiosa dos Estados Unidos: Congregação das Irmãs de Caridade de São José, segundo a regra das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, e dedicada à educação.
Uma bela peculiaridade do carisma da instituição se encontra assim expressa no texto de suas constituições: “O fim secundário, mas não menos importante, é honrar a Santa Infância de Jesus nas meninas, cujo coração está chamado a amar a Deus mediante a prática das virtudes e do conhecimento da religião; ao mesmo tempo, semearão em suas mentes os germes de um saber útil”.
Acompanhada por dezessete discípulas, Elizabeth fez os votos em 21 de julho de 1813. Madre Seton, como passou a ser chamada após a fundação, foi diretora geral da Congregação até o fim de sua vida, empenhando-se em formar as freiras segundo o espírito de Santa Luísa de Marillac e de São Vicente de Paulo.
Frutos de uma alma eucarística
Quanto a seus filhos, todos viveram e morreram como bons católicos. Annina foi noviça na Congregação de sua mãe e faleceu aos dezessete anos, logo após emitir os votos. Os dois filhos, Richard e William, alistaram-se na marinha. O primeiro morreu aos vinte e cinco anos. William casou-se e teve sete filhos, dentre os quais um seria Arcebispo.
Catherine fez-se religiosa, na Congregação fundada por sua mãe. Rebecca expirou nos braços de Santa Elizabeth, tendo apenas quatorze anos de idade.
Como sói acontecer com os Fundadores, a missão de Madre Seton se prolongaria após sua morte. Ela assistiria, do Céu, ao crescimento de sua obra. Ao entregar sua alma a Deus, em 4 de janeiro de 1821, Santa Elizabeth tinha apenas cinquenta freiras, espalhadas por colégios e orfanatos. No dia de sua canonização, 14 de setembro de 1975, elas eram mais de oito mil, pois sua Congregação se fundara sobre a rocha inabalável da Eucaristia, à sombra da qual florescem os carismas e se solidificam as obras de Deus.
Fontes:
1 MARIE CELESTE, Sister. Elizabeth Ann Seton – A Self-Portrait. A study of her spirituality in her own words. Libertyville (Illinois): S.C. Franciscan Marytown Press, 1986. p. 70. 2 MARIE CELESTE, Sister. Elizabeth Ann Seton – Collected Writings, edited by Regina Bechtle, S.C, and Judith Metz, S.C.; mss, editor, Ellin Kelly. 2000-2006. Vol. I, p. 289. 3 MARIE CELESTE, Sister. Elizabeth Ann Seton – A Self-Portrait. A study of her spirituality in her own words. Libertyville (Illinois): S.C. Franciscan Mary town Press, 1986. pp. 80-81. 4 MARIE CELESTE, Sister. Elizabeth Ann Seton – Collected Writings, edited by Regina Bechtle, S.C, and Judith Metz, S.C.; mss, editor, Ellin Kelly. 2000-2006. Vol. I, p. 367. 5 Idem, ibidem. 6 www.famvin.stjohns.edu/es/downloads/ santoralfv/isaseton.pdf
(Revista Arautos do Evangelho, Jan/2009, n. 85, p. 34 à 37)